Ciência da Computação não é a Terra-Do-Nunca.
Por Neto Pires
(waldemar.neto@gmail.com)
Neto, doutorando em Engenharia de Software pela Facultés Universitaires Notre-Dame de la Paix, conta como aprendeu a não dizer nunca.

Infelizmente, ciência da computação não é a Terra-Do-Nunca, onde não é preciso crescer. No mundo da computação as coisas crescem, e crescem muito rápido. Como diria meu ex-professor Jacques: “o mundo é cruel”. Cruel o suficiente para fazer com que palavras como “nunca” se virem contra você. Nesta matéria, tentarei mostrar um pouco da minha experiência em ciência da computação e como eu nunca aprendi a usar o nunca.

Meu início no curso de computação pode ser resumido pela charge ao lado. Meu pensamento era que, simplesmente, nunca seria capaz de aprender a programar.

Até o dia que comecei a estudar a recursividade, e a programação deixou de ser somente decorar comandos e passou a ser um exercício bastante divertido. Até hoje, me divirto bastante programando. Vocês têm que concordar que é uma sensação maravilhosa quando a maldita red bar dos testes muda para green bar.

Mais ou menos nessa época, o PET abriu seleção para novos integrantes. Eu me inscrevi achando que nunca conseguiria passar, pois minha turma era formada por gente muito competente e, nessa época, não existiam tantas bolsas disponíveis para a graduação. E, realmente, eu não fui aprovado inicialmente, só fui convidado depois, pois era suplente. Sou muito grato ao PET, pois não somente consegui me desenvolver como pesquisador, mas também como cidadão, fazendo grandes amizades que perduram até hoje.

No fim da graduação, conheci uma nova área da computação aplicada com o Prof. Franklin Ramalho, MDA. Eu me fascinei pela área (inclusive, continuo nela até hoje) e decidi começar um mestrado nessa área com o professor Franklin. Pouco tempo depois do início do mestrado, comecei a enfrentar os desafios do mundo real da pesquisa científica. Cito alguns que vieram à minha cabeça agora, mas você vai encontrar muito outros.

  • Inglês é mandatório: desculpe pessoal, mas um bom inglês é essencial na nossa área. Não se engane achando que só porque você fez um curso de línguas X ou Y, você vai estar preparado. O mais importante é praticar: leia suas notícias diárias em inglês também, programe e escreva seus textos pessoais em inglês, assista a filmes em inglês sem legenda. Falar inglês pode valer mais que seu diploma.
  • Você tem que ser autodidata. A metodologia da pós-graduação é muito diferente da de graduação. Na pós-graduação, a responsabilidade pela produção do conhecimento é sua. Provavelmente, seu orientador não vai conhecer todos os trabalhos importantes relacionados ao seu. Bem vindo ao Google Scholar.
  • Seu orientador não tem esse nome a toa. O trabalho dele é garantir que você está fazendo o seu. Não encare seu orientar como inimigo, muito pelo contrário, ele é seu maior aliado. Além disso, ele também não é o dono da verdade. Se você não concorda com algum ponto, é ele a primeira pessoa que você tem que convencer.

Quando comecei a enfrentar esses desafios achei que nunca conseguiria terminar o mestrado. Contudo, depois de perseverar bastante e com um pouco de resiliência consegui reverter esse quadro. Hoje, eu me sinto muito confortável com a língua inglesa, mas sei que ainda tenho muito a aprender. Trouxe o hábito de tentar ser autodidata para o meu dia-a-dia. E, por fim, meu orientador, que parecia inicialmente ser tão exigente e rigoroso, se tornou a pessoa que me ensinou o que realmente é uma pesquisa científica e, além disso, um grande amigo.

Durante o mestrado, costumava dizer que queria trabalhar no mercado e que a ideia de ser professor não me agradava muito, pois gostaria de algo mais desafiador. Bem, dois meses depois de defender o mestrado, fui contratado como professor na UEPB. Descobri o quanto é fascinante e desafiador lecionar. Acho que aprendi muito mais com meus alunos do que eles comigo. E cito uma lição fundamental: “qualquer um consegue dar uma aula medíocre, o desafio está em fazer com que os alunos realmente aprendam aquele conhecimento”.

Depois de algum tempo, decidi que iria começar um doutorado. Na época, minhas certezas eram que eu gostaria de continuar na área de Engenharia de Software, e nunca iria para as áreas de Interface com Usuário nem Banco de Dados. Atualmente, sou doutorando pela FUNDP (Facultés Universitaires Notre-Dame de la Paix), orientado pelo professor Philippe Thiran da Faculdade de Informática, Research Center in Information Systems Engineering. PRECISE, Namur, Bélgica. O objetivo do meu estudo é propor uma técnica para geração automática de Interfaces para Usuários de Serviços Web Compostos. As interfaces devem ser sensíveis ao contexto do usuário, em outras palavras, a Interface deve se adaptar à plataforma, ambiente e preferências do usuário.

Bem, pra concluir, atualmente eu evito dizer a palavra nunca. E o que eu vou fazer depois do doutorado eu ainda não sei, talvez tente alguns pós-docs, ou volte para o Brasil para ser professor, mas nunca na área de BD... Não, não, não... Digo, talvez não área de BD.

Jornal PETNews - Edição: Caio Paes - Revisão: Janderson Jason e Joseana Fechine
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