A verdade por trás da recepção "calorosa" dos novatos nas universidades
A tradição medieval que sobrevive em tempos modernos

O chamado "trote universitário" é uma prática bastante comum nas universidades brasileiras. É difícil encontrar um calouro que não tenha passado por determinadas experiências, boas ou ruins, durante seus primeiros dias de universitário. É tradição recepcionar os novatos com brincadeiras, como atribuição de apelidos ("bicho" ou "fera"), utilização de dinâmicas ou de elementos surpresa, que muitas vezes apelam para humilhação pública e, até mesmo, violência física.

O que poucos sabem é que a prática do "trote" é uma velha conhecida em diversas universidades ao redor do mundo. Embora não exista uma data exata para a realização do primeiro "trote", sabe-se que essa tradição existia antes mesmo que a as escolas de ensino superior fossem chamadas de universidade. Registros indicam que as universidades tradicionais européias, de países como França, Portugal e Alemanha, foram pioneiras nessa prática.

Os primeiros registros do "trote universitário"
surgiram no século XV.

Na Idade Média, devido à escassez de livros, resultante do lento processo de escrita da época, à falta de recursos monetários e à dominação da Igreja, grande parte da população era analfabeta e a universidade era restrita a alguns privilegiados. Devido à ignorância dos calouros, os universitários os viam como verdadeiros "bichos do mato" (resultando na utilização da expressão "bicho"). A aparência descuidada, barba e cabelos longos e unhas mal-tratadas, levavam os veteranos a, literalmente, transformar os novatos em pessoas educadas e de aspecto sadio. Surgia, então, o famoso "careca": os veteranos raspavam o cabelo e barba dos principiantes, além de praticar os chamados "rituais de purificação", por meio de banhos gelados. A violência gerada pelos "trotes universitários", hoje estampada em diversas notícias, não é, portanto, tão nova assim.

No livro Manuale Scholarium, publicado durante o século XV e utilizado em aulas de latim, são relatadas violentas práticas de recepção aos universitários novatos, a partir de diálogos utilizados como exemplos, que descrevem o calouro como "um bicho do mato, um monstro de aspecto horrendo, com chifres e dentes enormes, nariz recurvo como um bico de coruja, olhar feroz e boca ameaçadora". O livro descrevia, ainda, algumas práticas extremistas e inverossímeis, como agressões físicas e submissão, levando à conclusão de que o "trote" era uma prática usual em universidades da Europa.

No início do século XX, as universidades brasileiras, influenciadas, evidentemente, por Portugal, adotaram práticas semelhantes. A violência derivada dos "trotes" resultou, em certas localidades, na morte de alguns calouros. No entanto, a modernização modificou os trotes universitários, tornando-os mais sutis e, muitas vezes, realizados com entusiasmo e grandes festas, resultantes, provavelmente, da cultura alegre e carnavalesca do povo brasileiro.

Nesse período 2009.1, foi realizado um leve
"trote" para recepcionar os calouros, durante
a "Semana do Fera".

Os países originários da prática esqueceram ao longo da história o espírito agressivo e tradicional da recepção aos jovens calouros, devido ao estilo mais sensato, em conseqüência da modernização das ideias. E, embora o "trote" ainda perdure na comunidade universitária do Brasil, não resta dúvida que, em meio às festividades e orgulho de ter superado o vestibular, a prática arcaica da violência ainda se faz presente, assustando e, muitas vezes, distanciando os calouros.

Seguindo a história, portanto, é possível garantir que a única novidade é que a famosa frase "um trote só tem graça se for dessa maneira" não é novidade alguma.

O nosso curso, sem traumas e com uma veia nacionalista, realizou o seu trote, durante a "Semana do Fera", iniciada no dia 9 de março, ao fazer os feras de Computação cantarem o hino nacional, incentivados pelo "professor" Matheus Guadencio, integrante do grupo Guardians. O vídeo do trote e algumas fotos da abertura do evento são encontrados aqui.

Por Danielle Chaves
(danielle@dsc.ufcg.edu.br)