Horror vivenciado num lar
O caso do austríaco que manteve filha e três crianças nascidas do incesto presas em porão durante 24 anos

Nos últimos tempos, estamos nos deparando com casos horripilantes até mesmo dentro de uma família. E nesse último mês, estourou o caso de Elisabeth que era uma menina de apenas 11 anos quando seu pai, Josef Fritzl, começou a violentá-la. Aos 18 anos, Elisabeth fugiu, em vão, pela segunda vez. Temendo perder o controle sobre a filha, Fritzl sedou-a, algemou-a e a colocou em um porão blindado na casa da família. Durante os 24 anos seguintes, Elisabeth foi mantida como escrava sexual do pai. Teve sete filhos gerados pela violência incestuosa. Três foram levados por Fritzl para o confortável andar de cima do casarão, onde recebiam o carinho da avó, Rosemarie e iam à escola. Três foram mantidos no reino das sombras, o porão opressivo onde testemunhavam os abusos cometidos pelo pai-avô contra a mãe-irmã. A sétima criança, um menino, morreu recém-nascida e foi incinerada na fornalha por Fritzl.

Férias na Tailândia: o bronzeado e
sorridente Fritzl trouxe presentes
para todos

É difícil imaginar como numa cidade minúscula como Amstetten, no interior da Áustria, a vida dupla de Fritzl, que passava os dias e freqüentemente as noites enfurnado no porão, não chamava atenção. Ninguém jamais ouviu Elisabeth gritando ao dar à luz, a frio, somente com o monstro a seu lado? Ou desconfiou dos bebês que surgiam regularmente no mundo superior dos Fritzl?E até a complacência dos assistentes sociais que aprovaram a adoção das três crianças sem detectar o ambiente patológico da família?

Fritzl, engenheiro elétrico aposentado, hoje com 73 anos, planejou tudo meticulosamente. Enquanto Elisabeth ainda vivia no mundo superior, ele pediu licença à prefeitura para transformar o porão da casa em abrigo nuclear, um projeto incentivado pelas autoridades numa Áustria que então era fronteira da Guerra Fria. Depois, com a aprovação, providenciou instalações hidráulicas. Aos poucos, fez o bunker com porta blindada. Quando seqüestrou Elisabeth e a levou para o porão, simulou que ela tinha fugido de casa para aderir a uma seita religiosa. A mesma desculpa foi usada quando as crianças começaram a aparecer: Fritzl forçava a filha a escrever cartas à mãe pedindo que ela cuidasse dos bebês, enquanto seguia sua suposta vida alternativa. Lisa, hoje com 16 anos, Monika, de 14, e Alexander, de 12, foram adotados e criados como netos. Aparentemente, nem eles nem os filhos do porão sofreram abuso sexual.

Elisabeth, filha de Fritzl que
passou 24 anos no porão.

A teia de monstruosidades tecidas por Fritzl começou a ser deslindada quando Kerstin, a filha mais velha, ficou doente. Fritzl só a tirou do porão quando ela já estava praticamente em coma. Deixou-a num hospital, onde os médicos detectaram uma doença degenerativa decorrente do incesto. Pela televisão foi divulgado um apelo para que a mãe da jovem abandonada comparecesse ao hospital. Elisabeth convenceu Fritzl a deixá-la ajudar a filha. No hospital, com a polícia já alertada, ela contou tudo depois de receber garantias de que nunca mais veria "aquele homem". Fritzl foi preso e confessou tudo. Em todas as suas maldades, revelou uma mistura de autoritarismo e esperteza.   Quando um amigo o viu comprar roupas femininas pequenas demais para Rosemarie, ele desconversou, dizendo que tinha uma amante. Os assistentes sociais que visitaram a casa 21 vezes nada registraram. Sua ficha criminal – que incluía uma condenação por estupro, em 1969 – não foi investigada quando pediu as sucessivas adoções. Segundo uma cunhada, Fritzl descia para o porão todos os dias às 9 da manhã, dizendo que ia trabalhar na oficina. Assistia a corridas de carro na TV, almoçava com as crianças. Roupas e comida, compradas fora da cidade para não chamar a atenção dos vizinhos, entravam à noite.

Esse foi o segundo caso de cárcere privado em circunstâncias especialmente hediondas ocorrido no país nos últimos dois anos. Em 2006, a jovem Natascha Kampusch conseguiu fugir depois de passar oito anos num cubículo, seqüestrada e violentada por um homem, que se suicidou em seguida. Natascha quer ajudar a família Fritzl na recuperação. Os filhos do porão, Stefan, de 18 anos, e Felix, de 5, sofrem de anemia e deficiência de vitamina D provocada pela ausência de luz do sol. Kerstin perdeu quase todos os dentes e continuava em coma. Rosemarie, ao reencontrar a filha 24 anos depois, disse aos prantos: "Sinto muito. Eu não sabia de nada".

Por Michelly Guedes