Entrevista com o Professor Marcus Sampaio
O professor Marcus Sampaio concedeu entrevista ao Grupo PET Computação. Ele nos conta um pouco sobre sua história de vida, experiências, aposentadoria, planos para o futuro, dá dicas de como ter sucesso na profissão, dentre outras informações.

Grupo PET - Primeiramente, onde o senhor nasceu e qual a sua formação?

Marcus - Eu sou do interior do Ceará, de uma cidade chamada Icó. Ela é distante 75 km de Cajazeiras.

Prof. Marcus Sampaio

Sou engenheiro mecânico formado pela UFBA (1972), tenho mestrado na UFPB (1984) e doutorado em informática na Universite de Montpellier II (Scien. et Tech Du Languedoc) (1995).

É interessante que eu sou do Ceará, mas me formei na Bahia.

Em Fortaleza, entrei para o curso de Engenharia Civil da Universidade Federal do Ceará (UFC). Tornei-me presidente do Diretório Acadêmico da Escola de Engenharia da UFC, ou seja, me tornei uma pessoa notória, um líder. Na época da ditadura, sendo politizado e atuante no movimento estudantil como eu era, fui bastante perseguido e, para fugir do risco de ser expulso, consegui me transferir para a Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Nessa época, a Bahia vivia um processo de industrialização acelerado. Eu, muito esperto, resolvi mudar de Eng. Civil para Eng. Mecânica, que era o curso que mais mostrava ascensão na Bahia.

Grupo PET - O senhor chegou a trabalhar em empresas, ou sempre se reteve à academia?

Marcus - Trabalhei, conheci bem o mercado! Quando terminei Eng. Mecânica, fui trabalhar na Union Carbide. Após isso, trabalhei na Burroughs (a maior concorrente da IBM na época), na Ford, na Promon Engenharia... e só depois vim para a antiga UFPB Campus II (atual UFCG).

Grupo PET - Como surgiu o seu interesse pela computação?

Marcus - Quando me tornei engenheiro mecânico, fui trabalhar na Union Carbide, uma grande empresa norte-americana que fabricava eletrodos de grafite para siderúrgica. Após alguns meses na Carbide, embora muito dedicado e bem quisto como engenheiro da empresa, percebi que eu não gostava do que eu fazia. Aquele ambiente de fábrica, aliado à sujeira, poluição e alta dedicação de tempo que era exigida, me mostravam que quem trabalhasse na área deveria gostar muito do que fazia. Além, é claro, dos riscos e doenças a que eu estava exposto. Eu não estava feliz.

Naquela época, não existiam cursos específicos de computação. As pessoas que trabalhavam com computação eram formadas pelos cursos chamados tecnológicos (engenharias) ou de ciências básicas (matemática, física).

Tudo que eu sabia de computação é que era algo limpo, no sentido comparativo com indústrias, pois eu tinha cursado ICC na minha graduação.

Após assistir uma palestra em Salvador do gerente de Burroughs/São Paulo, ele anunciou que faria um concurso para 2 vagas na empresa. Me submeti e fui um dos selecionados. Como não tínhamos formação alguma em computação, a própria empresa, através da "Escola Latino-americana da Burroughs", nos ofereceu um curso intensivo de formação em computação. Me formei em "Tecnologia Burroughs de Computação". Tal curso englobava todo o ciclo da computação, como noções de computador, bancos de dados, arquitetura básica de computadores, gerência de projetos, linguagem de programação, etc...

Muitas empresas deixavam de comprar computadores por falta de mão-de-obra. Sendo assim, o intuito da Burroughs era formar profissionais para dar suporte aos seus clientes, e assim eu fui enviado para a Ford de São Bernardo do Campo/SP.

Neste momento, eu já me sentia muito mais à vontade trabalhando em uma empresa. Pensava: "Pô, eu tive foi sorte! Sai de uma fria daquelas..." (risos)

Após trabalhar na Ford, fui trabalhar na empresa que posteriormente projetaria Itaipu, a Promon Engenharia. Então, toda a parte computacional de Itaipu eu ajudei a fazer.

Eu já estava casado com uma paraibana há alguns anos, que é minha esposa até hoje, e então decidimos sair de São Paulo e vir morar no Nordeste, com nossos três filhos.

Como eu já tinha ouvido falar muito da cidade de Campina Grande, e da fama dos cursos de Engenharia Elétrica e de Tecnologia em Computação do Nordeste, resolvemos vir para esta cidade. Era junho de 1979.

Embora não tivesse currículo acadêmico, eu tinha algo que o pessoal daqui não tinha: a prática e o conhecimento do mercado! Os professores daqui eram muito mais teóricos. Tendo em vista isso, eu vim para cá com o plano de trabalho de dar disciplinas mais práticas, trazer problemas do mercado, trazer exercícios dos sistemas que eu era responsável, que eu fazia. Ou seja, o "sabor de realidade" que os alunos não tinham. Ao mesmo tempo, com a meta de completar minha formação acadêmica. Então, fiz o mestrado aqui sob orientação do Jacques Sauvé, então recém-chegado do Canadá. E o doutorado, como citei anteriormente, foi na França.

E esse é o caminho que eu trilhei até a computação.

Grupo PET - E em quais áreas o senhor pesquisa?

Marcus - Eu pesquiso, principalmente, Sistemas de Informação e Banco de Dados. No nosso departamento há quatro áreas de pesquisa: Sistemas de Informação e Banco de Dados (SINBAD), Redes de Computadores e Sistemas Distribuídos (RCSD), Engenharia de Software (ES) e Modelos Computacionais e Cognitivos (MCC). Cada professor do Departamento sempre se enquadra em uma dessas quatro áreas.

Grupo PET - Estamos sabendo que o senhor se aposentará em breve. Após o afastamento, como ficarão os seus projetos?

Marcus - Mesmo me aposentando, ficarei ligado ao Departamento em regime de voluntariado, pois tenho projetos que só terminarão no próximo ano, alunos sob orientação em mestrado e doutorado... e não vou abandoná-los. Ou seja, não haverá alteração, continuarão normalmente.

Grupo PET - Quais os outros planos para essa nova vida que se inicia? O que o senhor pretende fazer daqui para frente?

Marcus - Continuar trabalhando! Irei morar em Fortaleza e lá eu irei ensinar também. Vou me integrar a uma das universidades de lá. Já há negociações com mais de uma universidade.

Grupo PET - Pode fazer um balanço da sua carreira acadêmica?

Marcus - Eu sou uma pessoa insatisfeita. Basicamente, eu sempre acho que poderia ter feito melhor. Eu sou muito exigente comigo mesmo. Eu acho que poderia ter sido melhor pesquisador... eu acredito que na vida é melhor que você ache que sempre pode fazer melhor, do contrário você se acomoda.

Grupo PET - Como uma pessoa experiente em computação, quais são os desafios que o senhor enxerga com relação ao futuro da computação?

Marcus - A computação pode ser vista de alguns ângulos:
- Primeiro: ela tem esse lado extremamente interessante da não-rotina. Por exemplo, suponha um professor ministrando a mesma disciplina durante cinco anos. Ele sempre terá novidades. Novos modelos, novas tecnologias que aparecem... Ele deve estar se atualizando. Há dinamismo.
Outro ponto: não pensem que JAVA é eterno, porque não é. Jacques, por exemplo, o cara mais apaixonado por Java que eu conheço, já está pensando em reorientar seus projetos. Então, há esse ângulo dinâmico.

- Segundo: ao meu ver, a computação vive uma grande crise. E essa crise é: a pouca relevância das pesquisas na área. Eu considero que estamos precisando de uma revolução, de uma mudança radical nos métodos, por exemplo... que é o que não acontece. Muitos sentem tal necessidade, mas não encontram uma resposta.
Então, ressalto que, ao meu ver, a computação vive uma crise de criatividade, uma crise tremenda de comunicação entre academia/empresa (que nunca é resolvida). As grandes empresas não contratam as pesquisas acadêmicas, elas têm seus próprios laboratórios.

- Terceiro: concordamos que no mercado não falta emprego, entretanto dá para se contar nos dedos os empregos bons que existem. Um emprego que realmente cada um mereça, pague bem, seja estimulante, que exija do profissional os conhecimentos de um Bacharel em Ciência da Computação.

Grupo PET - Além da computação, o que mais lhe desperta interesse?

Marcus - Interesso-me por quase tudo, com destaque ultimamente para a História Natural (De onde viemos? Para onde iremos?), e para política / economia mundiais.

Grupo PET - Como alguém experiente, quais conselhos o senhor daria para quem quer ter sucesso em computação, especialmente os que estão iniciando agora?

Marcus - Não só para computação, mas para qualquer outra carreira. E não só para os que estão iniciando, mas para todos: o sucesso depende só 30% de qualidade técnica. Digamos que um profissional vá trabalhar para uma empresa, ele terá que "cair nas graças"; da empresa. Muitas vezes, o motivo não é essencialmente técnico. Às vezes, até uma resposta inadequada que ele dá a um gerente, pode ser marcado para o resto da vida. Então: RELACIONAMENTO!

Os norte-americanos chamam de Information Network: você tem que ter sua rede de informações.

É importante saber também o que é in e o que é out. Quando tal profissional está em um ambiente, ele tem que ter uma base de conhecimento na cabeça: O que "pega bem", o que "não pega bem"? E é importante sempre "seguir as regras do jogo".

Claro que eu falo que ele deve ser tecnicamente competente, mas eu quero salientar que eu já vi uma multidão de pessoas brilhantes que fracassou completamente porque não desenvolveu essa parte dos relacionamentos. E o relacionamento é subjetivo, chega até ao ponto de gostar ou não gostar. E isso não tem explicação, é sensorial.

Ele tem que ser capaz de gerenciar, em qualquer nível. Por exemplo, sempre ele terá que "dirigir"; alguém, e o "dirigir" é administrativo, não é técnico.

Então, ele terá que desenvolver essa atividade. Então, isso vale para qualquer carreira, seja médico, engenheiro, advogado, professor...

Grupo PET - Muito obrigado pela atenção, professor. Este espaço é seu.

Marcus - Foi um grande prazer conceder essa entrevista, adorei a oportunidade de transmitir um pouco da minha experiência. Espero ter dito algo útil a vocês. (risos!) Sorte e sucesso a todos.

 

O Grupo PET agradece a simpatia e disponibilidade do professor Marcus Sampaio.

Por Alexandre Bruno
(abruno@dsc.ufcg.edu.br)